Cursar uma pós-graduação, aproveitar ao máximo todas as matérias, adquirir conhecimento em diversas áreas, fazer networking, amadurecer profissionalmente, etc. Tudo isso é muito bom, mas é preciso uma monografia para obter plenamente a formação almejada.

Enquanto estou na reta final do desenvolvimento de uma monografia sobre estimação de software para finalizar o curso de Especialização em Engenharia de Software, meu orientador sugeriu que eu escrevesse sobre esta experiência. Gostei muitíssimo da ideia e, nas próximas linhas, irei discorrer brevemente sobre o desafio de escrever um texto acadêmico que, espero, seja de um bom nível.

Tudo aqui foi baseado na minha própria experiência pessoal. Isso significa que não pretendo escrever um guia completo, mas talvez evitar que o leitor caia em certas armadilhas. Imagine isso como uma conversa entre dois colegas sobre o assunto, sendo que um já passou pela experiência.

Desenvolver uma monografia bem feita não é fácil. É necessário tempo, dedicação e persistência. Se você somente quer um diploma, pode parar de ler agora. Não perca tempo.

O que é uma monografia

A wikipédia dá uma definição bem clara: é um tipo de trabalho acadêmico escrito com base em pesquisa sobre um determinado ponto da ciência.

Geralmente uma monografia não inclui novas descobertas, dados inéditos ou reflexões elaboradas, mas é fundamental para a formação e amadurecimento do estudante, permitindo que este adquira profundos conhecimentos que, muitas vezes, vão além do escopo do texto.

Um Projeto

Minha primeira dica é: pense na monografia como um projeto. Ela não é somente um texto grande cheio de citações que você escreverá uma vez.

Analogamente ao software, você terá que desenvolvê-la iterativamente numa espécie de modelo evolucionário. Falei grego? Tradução: você terá de escrever, revisar, melhorar, reescrever, corrigir, reorganizar, revisar, incrementar, reescrever, reordenar até atingir um texto de bom nível.

A monografia deve ser bem estrutura e possuir sequência lógica de argumentos. Cada parágrafo deve convergir para a afirmação ou argumento central.

Não faça isso!

Não escolha qualquer tema

O tema é muito importante para você. Será necessário aprofundar-se nele. Provavelmente você investirá mais do seu tempo nisso do que em qualquer disciplina do curso. Pense muito bem de que área você gosta e cujo aperfeiçoamento pode trazer benefícios profissionais.

Um professor que tive dizia que devemos escolher um tema que já conhecemos, dentro da nossa “zona de conforto”. Discordo. Primeiro porque a maioria das vezes que pensamos conhecer um tema, na verdade o conhecimento consiste em experiências empíricas ou estudos superficiais. O tiro pode sair pela culatra quando você percebe que o iceberg é muito maior do que realmente se pode ver.

Não comece escrevendo

É uma tentação começar a escrever logo, tanto quanto codificar um sistema sem a devida análise. Se o leitor tem experiência em projetos, aproveite a metáfora e aplique seus conhecimentos de engenharia.

Antes de produzir algo, é necessário ter certo grau de profundidade no assunto. Discuta com seu orientador os conceitos envolvidos e procure nivelar o entendimento sobre os assuntos que você deseja incluir.

Leia o máximo que você puder em potenciais bibliografias e faça muitas anotações. Posteriormente, quando a estrutura do trabalho já estiver delineada, será possível distribuir as referências nos devidos tópicos e evitar a necessidade de ler todo o material novamente.

É muito ruim você chegar num estágio avançado, com prazo curto, e descobrir que um capítulo inteiro não faz sentido e jogá-lo fora. Ou ainda perceber que é necessário acrescentar um novo capítulo com noções teóricas sobre uma área que você nem cogitava, o que significa voltar ao estágio de pesquisa, incluir novas bibliografias, e assim por diante.

Não saia de casa sem…

Um ótimo orientador

Tive dificuldades em conseguir um orientador. Os professores com que tinha alguma afinidade ou decidiram não orientar nenhum trabalho ou não respondiam e-mails. É um problema que vários alunos do curso enfrentaram, acabando por ficar com qualquer orientador que aceitasse o trabalho. Infelizmente, isso não se resume à instituição em que estou matriculado.

Devido a essa dificuldade, resolvi escrever a monografia por conta própria e esperava que assim algum professor se interessasse. Lembre-se: não faça isso!

As disciplinas regulares haviam terminado e eu não tinha mais contato direto com os professores. Como ainda não tive retorno de e-mails, decidi concluir a monografia por conta e simplesmente pedir a aprovação para qualquer professor.

Entenda que eu estou acostumado a estudar por conta própria, aprender sozinho. Não espero muito de professores, até porque boa parte não sabe muito além do conteúdo da disciplina. Minha expectativa se resumia a aprender somente com a pesquisa.

Porém, minha obstinação em não fazer as coisas mal feitas não me deixou em paz. Falei com o coordenador do curso e ele me sugeriu contatar outros docentes da faculdade que não foram meus professores. Essa foi a solução. Finalmente encontrei um orientador de verdade. Então percebi como isso faz toda a diferença.

Com poucas horas de conversa, ele já abriu a minha visão para conceitos que talvez eu demorasse alguns anos para captar e que, segundo ele, muitos autores também não conseguem perceber. Praticamente reestruturei e reescrevi toda a monografia, mas não porque isso foi exigido, é algo natural.

A coisa tem funcionado mais ou menos assim: primeiro ele examina um ponto do meu trabalho. Se não está bom, ele não diz algo como “isto está errado, escreva dessa outra forma”. Ele faz uma pergunta, que muitas vezes é mais que suficiente para que eu enxergue minha ignorância e acabe com um facepalm. Depois ele explica de forma bem detalhada o conceito. Pronto! Após analisar alguns pontos dessa forma minha mente já está novamente carregada de ideias e preparada para mais uma rodada de revisões. Não é preciso riscar todo o trabalho de vermelho.

Enfim, se você quer mais que ler e juntar material sobre um assunto (o que para mim não justifica um curso), desbravar novos horizontes e agregar novas visões e abordagens sobre o tema, amadurecer realmente, seja um bom discípulo e procure um bom mestre.

Boas fontes bibliográficas

Alguns autores, ou grupo de autores, podem ter uma visão um tanto tendenciosa sobre um tema.

Vou tomar os processos ágeis e “tradicionais” como exemplo. Dependendo do material que você tiver disponível, terá a impressão de que um determinado processo ágil é a sétima maravilha do mundo e que ele resolve todos os problemas em projetos de software. Por outro lado, ao ler um livro de CMMI ou RUP você acabará com a ideia de que a empresa que adota esses processos terá sucesso garantido em todos os projetos.

Há alguns meses eu diria que seria possível, depois de pesquisa suficiente, determinar qual modelo, processo, técnica ou método de estimação é o melhor. Depois percebi que não é possível fazer tal afirmação de forma objetiva e científica. Mais recentemente, após algumas conversas com meu orientador, percebi que a questão em si não é apenas estimar. A estimação contribui para algo maior, que é o entendimento do ambiente do projeto e a variáveis que o influenciam. Enfim, a questão não é o método em si, mas determinar a essência do problema, o que estamos tentando resolver. A partir disso, seleciona-se uma abordagem adequada, entendendo seus princípios e como ela contribui para a solução.

Enfim, não estou afirmando que você deva evitar livros que adotam certo ponto de vista. Apenas garanta que estão incluídos pontos de vista conflitantes e que você entendeu qual é a questão realmente em jogo para tentar conciliar essas visões.

Ler muito

Sem leitura, seu texto será resumido a conhecimento empírico. Nivele seus conceitos e terminologias com o dos autores para diminuir o retrabalho futuro.

Anotar tudo o que achar interessante

Não adianta escrever um texto academicamente maravilhoso sem citar as fontes. Aquela afirmação genial que você não se lembra de onde tirou não terá peso acadêmico sem o respaldo do autor original.

Além disso, imagine-se tendo que parar de escrever e perder um tempo precioso para folhear todo um livro a procura de um trecho interessante.

Discutir as ideias com seu orientador

Antes de colocar as ideias principais no “papel”, verifique se você não está equivocado.

Ler ainda mais

Já enfatizei a importância de ler e de selecionar boas fontes bibliográficas. Entretanto, na medida em que você amadurece no entendimento do tema, revisões ajudarão a manter o foco e novas leituras preencherão as lacunas.

Abordagens para uma monografia

Seja egoísta, no bom sentido

Pense no que você quer ou precisa aprender. Não espere salvar o mundo ou revolucionar o mercado através do trabalho, pois ainda que ele seja muito interessante e referenciado, o principal beneficiário do conteúdo acaba sendo o próprio autor, o qual leva consigo todo o conhecimento incluído ali.

Também não procure agradar seu professor simplesmente concordando com tudo o que ele propor. Tenha forte consideração pelos conselhos dele, mas lembre-se que no seu dia-a-dia como profissional ele provavelmente não estará lá para lhe dar as respostas.

Iterativa e Incremental

Estruture o esqueleto do trabalho, ou seja, defina os capítulos e os principais tópicos. Verifique se isso faz sentido como um raciocínio contínuo. Então comece a preencher os “espaços” com conteúdo de forma que cada citação ou ideia que você teve irá para seu provável destino final. Ao terminar você provavelmente terá ideias de tópicos que faltaram. Tome nota de tudo, tire dúvidas com o orientador, leia mais e então revise cada item desde o começo, do começo ao fim.

Dessa forma, você itera sobre todo o texto várias vezes e incrementa o conteúdo dos tópicos a cada revisão. Como em qualquer projeto, faça isso até que o conteúdo esteja suficientemente bom segundo seus critérios e do orientador.

Conclusão

Uma monografia pode ser encarada como um “trabalhinho” de final de curso ou como uma poderosa ferramenta de aprendizado através de pesquisa e orientação.

Meu conselho é: use-a como um trampolim para crescimento profissional e também pessoal. Encare-a como um projeto a ser desenvolvido, não fique satisfeito em ajuntar um punhado de teoria, lute até extrair algo que faça sentido no mundo real, no seu dia-a-dia, de forma que você não saia o mesmo desse processo.