Não é de agora que muitos autores relacionam o mercado moderno do empreendedorismo com um sistema religioso, seus propagadores atuando como sacerdotes ou até milagreiros, encantando uma massa de seguidores com dogmas sobre como obter sucesso.

Minha iniciação

Meu primeiro contato com o empreendedorismo foi na época em que trabalhava como Web Designer autônomo, junto com minha esposa, em meados de 2005. Tal empreendimento pagou nosso noivado e, posteriormente, sustentou-me durante a faculdade.

Depois de alguns sites entregues com sucesso, cogitamos a possibilidade de ampliar o negócio. Atingidos pela propaganda prometendo ajuda para pequenos empresários, fomos ao SEBRAE.

Fizemos uns dois cursos que não acrescentariam nada para nossa situação em particular. Descobrimos que, além de outros cursos básicos, o máximo que poderíamos obter seria um pequeno empréstimo que geralmente é concedido para pequenas aquisições ou reformas de pequenos negócios existentes.

Isso não fazia o menor sentido no nosso caso. Já tínhamos as ferramentas necessários, isto é, computador, internet e muita vontade. Precisávamos aprender algo prático sobre o que é oferecer um serviço ou produto, como negociar e relacionar-se com os clientes, atingir nosso público, etc. Tudo o que conseguimos foram conselhos genéricos que qualquer pessoa com senso comum consegue pensar.

Nada atingia, nem de longe, os reais desafios que enfrentávamos na época.

Continuamos com o negócio procurando profissionalizá-lo aos poucos até concluirmos a faculdade. Ele crescia um pouco, mas não de uma forma que nos fez acreditar que continuar nos traria grandes benefícios no futuro.

Em 2008, recebemos ambos uma boa proposta para trabalhar numa empresa em São Paulo. E este foi o fim da primeira empreitada (e o início da minha carreira com Java).

Uma dura realidade

Depois de alguns anos trabalhando com sistemas mais complexos, tendo já adquirido razoável experiência e capacidade técnica, decidi tentar a vida de consultor independente.

Não estou falando aqui de trabalhar como Pessoa Jurídica, com contratos de tempo determinado. Através de contatos no trabalho, consegui empresas para as quais eu iria atuar como um conselheiro externo em tecnologia e arquitetura Java, algumas vezes desenvolvendo a estrutura de uma aplicação e, na maior parte do tempo, auxiliando as os desenvolvedores sobre decisões e sobre como resolver os desafios mais complexos.

Para todos os efeitos, eu era uma empresa, com CNPJ e tudo. Não foi algo a que me dediquei em tempo integral, mas valeu muito a pena em termos de experiência.

No entanto, após pesar custos e benefícios, o resultado não foi tão positivo assim. A dura realidade é que o retorno financeiro foi pequeno para um trabalho que só lidava com os problemas mais difíceis.

Empresas pequenas, que reconhecem suas deficiências, não podem arcar com muito tempo de consultoria. Algumas empresas são tão deficientes em tecnologia que nem um trabalho em tempo integral seria suficiente para resolver todos os problemas. Em empresas maiores iria acabar sendo engolido e virando um funcionário PJ.

Em cima disso, é difícil administrar o trabalho extra para encarar os problemas específicos em cada projeto, parte do qual eu acabava nem cobrando devidamente. Por exemplo, eu recebia o código e tinha que gastar algum tempo analisando, configurando meu ambiente, depurando, etc. Se fosse cobrar por cada minuto inviabilizaria a consultoria em alguns casos.

Mais importante de tudo, eu estava sendo mais recompensado pelo esforço no meu trabalho convencional.

Mantive o papel de consultor por alguns anos, com a esperança de expandir o negócio ou criar algum produto. Após algumas tentativas e conversas com diferentes colegas de profissão, nada foi para a frente. Empreender no Brasil simplesmente não é fácil.

A gota d’água foi na última declaração de imposto de renda. Não era a primeira vez que declarava os rendimentos da Pessoa Jurídica, mas na ocasião em particular, ver o governo tomar praticamente metade do que eu havia ganhado, com imposto sobre imposto, fez-me perder quase definitivamente a vontade de empreender mais qualquer esforço. Logo pedi o encerramento da empresa, que me custou alguns meses de rendimentos.

Não sei se você, lendo aqui meu relato, é daqueles que considera patrão como um malvado explorador. Talvez você calcule o quanto ganharia se fosse autônomo e pense em como ele está ficando com grande parte de sua renda. Se você for um desenvolvedor novato e optar pela informalidade, talvez até ganhe mais do que um júnior numa empresa. No entanto, se for pagar os impostos corretamente, manter um CNPJ e arcar com todas as obrigações adicionais de um empregador, descontar benefícios como vale-refeição e plano de saúde, verá que o dinheiro que ganharia “a mais” evapora-se rapidamente.

Trabalhando sob a CLT, eu sabia que meu empregador gastava comigo pelo menos o dobro do salário com outras coisas (já tive propostas para “dobrar” o salário como PJ). Até então isto me era parcialmente oculto, pois não via o dinheiro. Mas agora, depois de ter minha "empresa", entendia muito melhor o sentimento que é ver seus rendimentos serem sugados, pois o dinheiro vinha para minha conta, mas eu tinha que desviar metade para o governo. Se você nunca sentiu na pele como é pesada a carga tributária e todas as responsabilidades trabalhistas no Brasil, sinceramente, você não tem como entender o que eu estou falando aqui.

Agora, sabendo como é na prática o marcado de trabalho em um país de primeiro mundo, tenho pavor de um dia voltar a ter que lidar com CLT, sindicato e toda a burocracia brasileira. Este é o principal fator que me afasta do Brasil – e qualquer país com fortes tendências socialistas. Certamente é o principal fator que afasta muitos bons profissionais e empresários, segundo o que leio e os relatos de pessoas que conheço.

Startups

Foi só em 2012 que tive meu primeiro contato com o “alto clero” do empreendedorismo moderno, ao participar do TDC, em São Paulo.

Lá eu tive uma visão inicial do empreendedorismo globalizado apresentado como uma forma de ciência. Ouvi superficialmente o que eram Produto Mínimo Viável (MVP), Lean Startups, Business Model Canvas e outros conceitos baseados no trabalho de conceituados acadêmicos e empresários, ou criados por eles mesmos. Tudo com direito a orgulho por falir empresas, discussões sobre o que é ter sucesso e indicação de diversos livros sobre o tema.

Chamou-me a atenção a quantidade entusiastas de tais modelos e com que intensidade eles admiravam e tentavam aplicá-los em seu dia-a-dia. A única conclusão possível (com um pouco de sarcasmo) era que todos haviam feito descobertas revolucionários e só eu estava de fora de tudo isto.

Algum tempo depois, em meu mestrado, conheci um professor doutor entusiasta do mesmo objeto. Ele aplicou fortemente todos os conceitos em suas aulas: cada “equipe” de alunos criou uma startup e implementou dois MVPs. As aulas incluíram uma sessão de pitch de ideias, formulários de validação, brainstorming e por aí vai. Tal professor era, ele mesmo, co-fundador de algumas startups, organizador e juri de eventos de empreendedorismo.

Foi nesta época em que resolvi participar do Startup Weekend, um evento que ocorre em várias cidades ao redor do mundo para reunir pessoas interessadas em criar ou trabalhar em “novas” ideias. Tudo num final de semana bem agitado, passando rapidamente por todas as fases de germinação de uma ideia que possa ser aceita pelo mercado. Neste pequeno espaço de tempo são aplicados rapidamente aqueles conceitos característicos do movimento de startups.

Confesso que criei algumas expectativas quanto ao evento. Em parte, esperava pelo menos encontrar algumas pessoas com interesse em um negócio sério.

O que realmente encontrei foi um bando de crianças, a maioria alunos de faculdade, brincando de criar coisas que já existiam – mas que não conheciam ou achavam que a sua versão era melhor. Quase ninguém com real capacidade de concretizar quaisquer das propostas. Vi as ideias mais esdrúxulas e estapafúrdias receberem maior votação, aqui já descontando todas as ideias “brilhantes” de concentradores de conteúdo, catálogo para troca de serviços entre pessoas, sistema para gerenciar isto ou aquilo, a introdução de alguma espécie de moeda virtual de troca.

Especificamente, a ideia mais votada foi a de um rapaz que era personal trainer. Ela consistia em criar um totem com um personal trainer virtual a ser usado em academias, por exemplo. Vi tal ideia ganhar destaque naquele evento e, ao mesmo tempo, tentava entender a diferença daquilo para um dos muitos aplicativos de treinamento que já existem para quem malha. Ah, mas é algo diferente! Agora é um aplicativo num totem.

Depois da primeira rodada do evento, que tem duração de três dias, desisti de participar e fiquei só observando.

Alguns organizadores e jurados eram empresários, donos de empresas conhecidas da região. Alguns foram apresentados como anjos investidores. Foi citado um caso de um evento anterior onde uma equipe vencedora recebeu uma proposta para continuar trabalhando na ideia proposta dentro da empresa de um dos jurados. Esperança de emprego para as crianças que ganharem o concurso!

Em parte, ficou claro para mim que tais eventos – provavelmente não na totalidade, mas em sua maioria – são campos de recrutamento, onde velhos donos de empresas abocanham jovens bem intencionados com boas ideias (leia-se possivelmente rentáveis) e colocam-nos para trabalharem por migalhas durante alguns meses sem muito compromisso. Não quero generalizar, mas passando o que me foi dito naquele evento pelo meu filtro de embelezamento de discurso, tudo isso ficou realmente óbvio.

Claro, pode ser que, de vez em quando, um produto ou outro realmente faça sucesso e os envolvidos sejam devidamente recompensados. Entretanto, o nível do que vi era tão baixo que, mesmo com uma boa ideia, sua execução seria seriamente prejudicada.

Pensando dentro da caixa

A verdade é que nenhuma das ideias relacionadas ao empreendedorismo com as quais tive contato pode ser considerada algo perto de ser chamada de revolucionária ou essencial. Pelo contrário, todas colocam o ato de empreender dentro de uma caixa. Uma caixa muito pequena.

A primeira analogia que me vem à mente são frameworks de processos e métodos ágeis, como RUP, CMMI, Scrum, XP. Muitos acreditam que a metodologia pode fazer a equipe ou o produto melhor. Não! Alguns princípios podem ajudar na organização, mas o importante no processo é remover as barreiras para que a equipe faça o melhor trabalho possível.

Se aplicarmos os mesmos princípios aos modelos de empreendedorismo, concluiremos que o método de empreender em si tem pouca relevância no resultado do empreendimento. Profissionais bons e criativos podem se utilizar de um modelo em algum momento para organizar as ideias, mas frente ao todo isto é desprezível.

Não há ritual que, por si mesmo, faça emergir ideias melhores do que a capacidade dos agentes envolvidos em criá-la ou gere sabedoria superior à experiência adquirida na prática.

Mas, infelizmente, não há o que fazer. Ainda veremos mais e mais gente tentando seguir alguma receita de bolo de sucesso, daquele livro de auto-ajuda com dez passos para o sucesso até o mais recente modelo para criar uma startup que nunca falhe – ou mecanismos mentais para lhe convencer de que o fracasso é de alguma forma um tipo de sucesso. 😛

O que me assusta mais, no entanto, é o incentivo cada dia maior a ideias superficiais e até absurdas, que tem alguma aparência de ser algo legal a princípio, mas quando você analisa um pouco mais percebe que não fornece valor algum.

Minha análise é que as coisas pioram rapidamente quando pivotamos a ênfase na criação de algo valor para a aplicação de um método mágico ou, pior, pervertemos o que significado do que é gerar valor.

Valor para uma pessoa sem compromisso ou responsabilidade, cuja prioridade é passar mais tempo no celular acessando redes sociais e assistindo vídeos banais, sempre será confundido com algo fútil. Infelizmente, a realidade é que a grande maioria das ideias apresentadas são fúteis e irrelevantes, refletindo a mente vazia e imatura da sociedade.

Falsos deuses

Se você aguentou a leitura até aqui, deve ter percebido o tom crítico sobre a tendência atual do empreendedorismo. Deixei propositadamente a parte mais polêmica para mais tarde, a fim de evitar ainda mais polêmica e não usar nomes de outrem para chamar a atenção.

Me refiro aqui a alguns ícones do empreendedorismo, tendo frequentemente uma linha muito tênue com a auto-ajuda. Assim como presenciei no Startup Weekend e no TDC, quando vejo um palestrante de carreira, alguém que praticamente ganha a vida com eventos ou está lá só pela fama, já desconfio de cara.

Por exemplo, há algumas semanas chamou-me a atenção o caso da Bel Pesce. Basicamente ela se auto-declarava sorrateiramente como uma empreendedora de sucesso com cinco diplomas que já vendeu uma startup por 50 milhões de dólares. Porém, após uma falha grave no último de seus empreendimentos (um crowdfunding para abrir um restaurante), se tornou de conhecimento popular que na verdade ela teve apenas pequenas participações em tudo o que ela relatara, além da maioria ser pouco relevante e de ter apenas o que equivale a uma faculdade de verdade, se comparar a um curso de Engenharia da Computação, por exemplo.

Claro, há charlatões em todos os ramos e talvez isto seja até uma vantagem. Explico: podemos analisar os padrões e identificá-los mais facilmente.

Seguindo o exemplo acima, basta ver um vídeo qualquer da moça para captar o discurso vazio, focado na motivação e não na razão, no abstrato e não no concreto. Embora algumas pessoas encontrem proveito em auto-ajuda, meu entendimento é que tais ideias apenas distorcem como enxergamos a realidade, principalmente por serem de natureza genérica e propagadas inconsequentemente.

Por exemplo, quando alguém diz para você "não desistir dos seus sonhos", no que realmente isto ajuda? Sentimentos agradáveis advém, talvez, mas se o seu sonho for ter uma baleia assassina de estimação ou ser o novo Zuckerberg, em praticamente nada. Se um suposto guru não lhe ensina a pesar custos e benefícios, possibilidades e impossibilidades, se não lhe ajudam a ter consciência da sua própria realidade, limitações, fraquezas, oferecendo então conselhos pragmáticos de como desenvolver as habilidades que lhe faltam, assim como os próximos passos concretos para atingir seus objetivos e assim por diante, tal pessoa provavelmente não é digna de ser levada muito a sério.

A verdade é que você deve ser cético com qualquer situação onde a oferta é grande demais, principalmente quando o vendedor é “bom” demais para ser verdade e aclamado como uma celebridade. Acredite, o fato de uma pessoa ser muito conhecida não torna ela mágica ou especial. Na maioria das vezes, a fama é alcançada por quem busca a fama, não por quem realmente merece.

Seja um crente cético

Se você acompanha o blog, sabe que sou cristão. Talvez ache engraçado um cristão falando sobre ser cético. Pois saiba que eu devo ser o cristão mais cético que você já conheceu. Ora, não é porque você acredita em uma determinada coisa, a qual você entendeu fazer sentido, que você necessariamente precisa engolir toda tolice que surge por aí.

Assim, por um lado, você deve buscar conhecer as pessoas e escutar que elas tem a dizer, conhecer os métodos e tudo o que puder sobre como melhorar sua situação atual. Após encontrar algo que pareça bom e concreto, com o pé no chão, execute e procure subir de vida. Por outro lado, sempre desconfie de soluções fáceis e mágicas ou que colocam a culpa das dificuldades e fracassos em subterfúgios.

Enfim, não quero de forma alguma desacreditar todo e qualquer tipo de empreendedorismo. Temos que separar o joio do trigo.

Infelizmente, muitos irão continuar seguindo a última onda e acreditando em qualquer besteira que se diga por aí, seguindo aquele modelo encaixotado de como criar algo "novo". Outros, irão rapidamente aprender a procurar ajuda que vale mais a pena e usar adequadamente as ferramentas disponíveis por aí, sem colocar suas esperanças numa coisa ou outra.