Há uma crise atualmente na área de desenvolvimento de software e tecnologia da informação.

Calma, não estou dizendo que as empresas vão começar a falir e os programadores a procurar outros empregos.

Neste artigo vou explicar porque chegamos num ponto onde um aumento no uso de tecnologia começou a atrapalhar as nossas vidas mais do que ajudar.

Falamos nas maravilhas da automação, porém:

  • Nos tornamos dependentes da tecnologia para muitas tarefas e pessoas perdem cada vez mais a autonomia para softwares muitas vezes mal feitos.
  • Tarefas complexas não são realmente automatizadas. Elas são supervisionadas por humanos que cada vez menos conhecem o negócio.
  • A tecnologia não nos proporciona efetivamente mais tempo livre. Quando temos, gastamos na frente do computador ou celular.

A tecnologia já deu o que tinha que dar

Claro, o título desde tópico é um tanto forte. Eu realmente acho que a tecnologia tem muito a oferecer para o futuro, mas não no paradigma atual.

Muitas coisas que não deveriam foram informatizadas. Para muitas que poderiam não há interesse ou recursos.

Chegamos num ponto onde é necessário criar novas necessidades supérfluas para manter os negócios, sacrificando um pouquinho do tempo, da saúde, das amizades, da família de milhões de pessoas que passam cada vez mais tempo no mundo virtual e menos no real.

A grande maioria das ideias propostas para novas empresas e startups caem em três categorias, provavelmente nesta ordem:

  1. Disponibilizar mais uma futilidade que ninguém tem real necessidade.
  2. Refazer o que já existe, com alguns retoques.
  3. Pegar o que já deu certo numa área e aplicar em outra.

Empresas dependentes

Já se perguntou por que grandes empresas investem muito em tecnologia? Por que bancos e seguradoras gastam mais em TI do que em qualquer outra área?

Às vezes temos a impressão romântica (que nos vendem em propagandas) de que o investimento em tecnologia é feito porque eles estão visando o futuro, querem ter um atendimento melhor e mais eficiente, etc.

Um pouco disso é verdade, mas a realidade é que a maior parte do dinheiro investido em projetos de software nos bancos vai para sistemas usados apenas internamente, às vezes por um ou dois usuários, que geralmente é cheio de falhas, lento e inseguro. Muitos projetos são cancelados, não cumprem o prometido, não atendem uma necessidade real dos usuários e, como consequência, dinheiro é praticamente jogado no ralo.

Por que isso ocorre?

A verdade é que as empresas se tornaram reféns da tecnologia em muitos aspectos:

  • Pessoas se tornaram descartáveis. A fonte da verdade é o que o sistema diz – mesmo que ele esteja cheio de bugs.
  • Desenvolvedores acabam sabendo mais de alguns aspectos de negócios do que muitos usuários, que se tornaram meros operadores do sistema.
  • As empresas acham que é melhor investir em burocracia, adotando complexos workflows espalhados em várias aplicações, e em sistemas “inteligentes” do que treinar as pessoas para fazer o trabalho direito.

Em muitos casos, podemos dizer que não são os usuários que se utilizam do sistema para fazer o trabalho bem feito, mas podemos dizer que o sistema se utiliza dos usuários para a entrada de dados, para dar início aos processos e validar algumas informações, ou seja, os usuários passam a ser “interfaces inteligentes” que alimentam o sistema com aquilo que não dá para automatizar.

O resultado disso, que tenho testemunhado em alguns momentos, é que as pessoas não sabem mais fazer o próprio trabalho devidamente, erros de sistema passam meses e anos sem serem detectados até alguma auditoria ser realizada, quando houver um raro ser humano que possui bons conhecimentos do problema. Vemos gerentes que não sabem gerenciar, contadores que não sabem contar, vendedores que não sabem vender. Eles tornaram-se simplesmente usuários do sistema A ou B que automatiza sua própria função.

Outro fator importante é que toda inovação passa primeiro por um projeto de software. Muitas empresas não conseguem, em tempo hábil, oferecer novos produtos, realinhar a estratégia de marketing, tornar o processo mais eficiente e várias outras coisas porque tudo depende de mexer em um ou mais sistemas obscuros que ninguém realmente conhece bem. E aí vem aquela sensação de que se está sempre correndo atrás do prejuízo.

Os avanços que não resolvem nada

Estamos cercados de “novas” tecnologias que não resolvem nenhum problema, apenas nos fazem mais dependentes.

Muitas empresas, principalmente quando se fala em redes sociais ou qualquer tipo de aplicativo social, precisam que você gaste mais tempo usando seus produtos. O marketing digital é um exemplo. Da mesma forma que uma rede de TV ganha mais quando as pessoas ficam o dia inteiro vidradas, uma rede social ganha mais com propaganda quanto mais as pessoas passam tempo ali.

O problema com isso é que, tecnicamente, o objetivo da tecnologia deixa de ser a eficiência e passa a ser viciar os usuários, nem que para isso tenha que ser menos eficiente de um ponto de vista prático.

Como podemos fazer as pessoas gastarem mais tempo usando nossos produtos?

— Empresa bilionária dona de uma rede social

Então se torna verdadeira aquela velha piada de que a informática veio resolver problemas que não existiam.

Ao invés de tentar tornar nossa vida melhor e mais eficiente, ela está tornando nossa vida pior, roubando nosso tempo.

Num passado recente, a eficiência de um sistema qualquer era determinada por quanto tempo ele economizaria para você realizar uma tarefa. Quando uma tarefa frequente que levava 8 horas agora pode ser feita em apenas 2, então o projeto obteve sucesso.

Hoje, em muitos casos, um sistema é considerado eficiente quando ele consegue fazer você esquecer de tudo, trabalho e vida, durante o dia todo. Mesmo dentro das empresas cresce o número de pessoas que passam o dia todo com a mãos num teclado, mouse ou tela de toque e menos resolvendo problemas reais.

O que eu espero da tecnologia da informação

Há muito tempo eu reflito sobre qual contribuição eu gostaria de deixar na minha área profissional, pela qual tenho tanto apreço.

Seria investir na área acadêmica e talvez propor um algoritmo revolucionário em alguma área complexa? Seria criar um aplicativo que milhares de pessoas possam se beneficiar? Seria desenvolver padrões de arquitetura que tornem mais fácil o desenvolvimento de software no mundo todo? Seria arquitetar um framework que torne a vida dos programadores muito mais fácil? Seria me aprofundar nos conhecimentos e desvendar os mistérios da engenharia de software para elevar o nível geral da área como uma ciência?

A verdade é que, independente do que eu conseguir fazer em minha breve vida e carreira, se não houver um benefício direto na vida das pessoas, não apenas no quesito técnico, não ficarei feliz com tal legado.

De que adianta criar um sistema que vicia as pessoas? De que adianta criar um algoritmo que fará as pessoas gastarem mais tempo na tela do computador? De que adianta desenvolver um aplicativo que manterá os seus olhos mais tempo numa tela e menos tempo nos seus filhos?

Pensando em tudo isso, cheguei à conclusão valeria a pena investir o meu tempo e dedicação somente se algo atender pelo menos aos seguintes critérios:

  1. Resolva um problema real, não algo artificialmente criado pela própria tecnologia.
  2. Faça isto eficientemente, em menos tempo comparado a alguém fazendo a mesma coisa manualmente com razoável habilidade.
  3. Proporcione mais tempo livre a quem usar, não mais trabalho extra configurando e manejando a coisa.

Em outras palavras:

Como posso usar a tecnologia para fazer meu trabalho diário passando menos tempo na frente de um dispositivo ou do computador?

No dia em que responder minha própria pergunta, serei o próximo milionário. 😛

Se não puder, ao menos espero que outras mentes mais brilhantes do que a minha consigam avançar a tecnologia para algo que realmente faça a vida do homem melhor e não alienada.