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Esta é uma continuação da aventura que comecei a descrever em Hello, Australia. Mudei para a Austrália na metade de 2015 para trabalhar na Atlassian.

Neste artigo contarei resumidamente como isso aconteceu e como tem sido meus primeiros meses na empresa.

Atlassian?! Ah, o JIRA eu conheço!

Grande parte dos profissionais de TI ou quem trabalha em projetos de grandes empresas já usou ou ouviu falar de uma ferramenta mundialmente conhecida chamada JIRA, mas é fácil deixar passar o nome de quem desenvolve o produto. A maioria das pessoas que conheço consegue fazer a relação "Atlassian x JIRA", mas sabem muito pouco sobre a empresa.

Não era diferente comigo. Conhecia bem pouco sobre o JIRA, o BitBucket e o Confluence, mas não imaginava a gama de produtos oferecidos pela empresa nem tinha noção alguma de como as coisas realmente aconteciam por detrás das cortinas para que isso funcionasse de forma integrada.

A melhor empresa para se trabalhar

Quando fiz a primeira entrevista, perguntei para um colega que já morava em Sydney qual era a impressão dele sobre a Atlassian. “A melhor empresa para se trabalhar na Austrália”. ele respondeu. A empresa havia ganho aquele prêmio de melhor lugar para se trabalhar em 2014, mas em geral não dou muito crédito a esse tipo de coisa.

Pesquisando um pouco mais, descobri que a Atlassian é uma empresa com excelente reputação e em franco crescimento. Ela também é notícia frequente nos meios de comunicação importantes de tecnologia e negócios. Ela investe fortemente em inovação, ao contrário da impressão que muitos podem ter de que aqui se trabalha principalmente com legados. Ela é a maior empresa de TI de origem australiana, sendo literalmente um orgulho para o país.

Descobri que, embora não tão grande e conhecida como Google, Amazon e Facebook, a Atlassian faz parte do grupo das cool tech companies, aquelas empresas “legais” de tecnologia onde “todos” querem trabalhar um dia. Essas empresas geralmente oferecem benefícios um tanto extravagantes para atrair os melhores desenvolvedores. Quem nunca ouviu falar do escorregador no escritório do Google? Aqui na Atlassian temos variadas atividades e benefícios no escritório, tais como comida à vontade, aulas de Pilates e outros treinos físicos, jogos variados, mesas para trabalhar em pé, excelentes equipamentos, quantos monitores você conseguir usar, 20% do tempo para projetos pessoais, festinhas internas frequentes geralmente celebrando algum lançamento ou objetivo alcançado, gincanas e muito, muito mais. Você pode escolher o próprio equipamento (sendo o padrão um MacBook), o sistema operacional, as IDEs e assim por diante.

Fiquei impressionado na medida em que descobri essas coisas de início e posso dizer que tenho gostado bastante de trabalhar aqui, principalmente pelo fato de que o trabalho tem sido bastante desafiador, por estar ao lado de profissionais de altíssimo nível, ter liberdade para aplicar as técnicas e ferramentas mais avançadas e por aí vai. Tudo isso sem grande pressão ou estresse, característica de tantos projetos por aí que no fim acabam nem sendo realmente usados. Ao contrário do que se espera de uma empresa que se gaba de contratar os melhores desenvolvedores, as pessoas são bastante compreensivas e dispostas a trabalhar em equipe.

Todos que entram aqui ganham armas. Então quando estamos estressados podemos atirar em alguém, a exemplo dos fundadores na foto abaixo:

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E em 2015 a Atlassian foi novamente ganhadora do prêmio de melhor lugar para se trabalhar, pelo segundo ano consecutivo. Não por causa deste prêmio simbólico, mas posso afirmar sem sombra de dúvida que esta tem sido a melhor empresa que já conheci.

Exigências

A Atlassian se gaba de contratar os melhores profissionais da área. Entrar aqui não é fácil, acredite.

Conheço excelentes profissionais que acabaram não sendo aceitos. Note que isso não é uma questão de ser mais ou menos inteligente ou capaz. Da mesma forma não bastam conhecimentos técnicos somente. Claro que é preciso ter bons níveis de conhecimento e experiência, mas há muitas variáveis envolvidas num processo seletivo e não podemos de forma alguma julgar um profissional por ter ou não passado numa entrevista ou pelas empresas em que ele já trabalhou.

De qualquer forma, para entrar numa empresa como a Atlassian, Google, Facebook, LinkedIn, eBay ou Amazon é preciso preparo, uma mistura de várias habilidades e uma dose de sorte, por assim dizer.

Um histórico profissional que inclua uma empresa renomada ajuda, mas nem tanto pelo nome da empresa e sim pela experiência que geralmente é adquirida. Esse não foi o meu caso, então compensei minhas deficiências através de projetos pessoais, comunidades como o Stack Overflow em Português, ensinando em faculdades, dando cursos e até palestrando algumas vezes.

Porém, mesmo com um perfil técnico relevante, bons conhecimentos e experiência, ainda é necessário que você tenha o perfil que eles estão buscando naquele momento.

Entrevistas

Comecei meu processo seletivo com um teste online que envolvia algoritmos e conhecimento avançados de JavaScript. Após submeter minhas respostas, um desenvolvedor as analisou e tive um retorno positivo.

Durante as semanas subsequentes, fui entrevistado por outros desenvolvedores, líderes e gerentes, sendo testado em todos os aspectos que um desenvolvedor deve saber responder e talvez um pouco mais. 🙂

Primeiro um desenvolvedor fez uma espécie de pair programming remoto. Eu compartilhei minha tela e codifiquei algumas classes, fiz correções e testes. Foram fundamentais conhecimentos práticos em padrões de projetos, testes unitários e bons fundamentos nas APIs do Java, principalmente em concorrência e threads. O mais importante neste tipo de entrevista é saber explicar o seu raciocínio para o entrevistador antes de fazer qualquer coisa. Então a famosa metodologia de desenvolvimento por tentativa e erro não funciona nesse caso, você deve saber o que está fazendo e porque faz.

Em outra entrevista dois desenvolvedores fizeram várias perguntas de arquitetura, por exemplo sobre técnicas de distribuição de dados e processamento e também sobre segurança, principalmente vulnerabilidades em aplicações web e como evitá-las. Aplicaram um breve desafio de programação com foco em orientação a objetos e padrões, mais uma vez procurando determinar seu eu sabia o que estava fazendo ou não.

Na última entrevista fui interrogado por um gerente (que mais tarde soube ser o head of engineering do JIRA) e um team lead a cerca de minha experiência em projetos, conhecimento de processos (não confundir com perguntas sobre RUP, CMMI ou outros frameworks) e de minha metodologia de trabalho. Basicamente é importante saber que o trabalho de um desenvolvedor é muito mais do que ficar o dia inteiro cuspindo código. Por exemplo, eles quiseram muito saber se eu havia participado de reuniões de retrospectiva e quais atitudes eu poderia tomar para melhorar o processo atual.

Além de tudo isso, houve ainda algumas conversas não técnicas com os recrutadores. Antes de qualquer coisa, eles querem saber se você realmente está disposto a uma mudança tão complicada e se sua família está confortável com tal decisão, além de tirar dúvidas sobre tudo o que você precisar. Um recrutador até indicou um parque onde meus filhos poderiam ir.

Dá pra ver que o processo não é nada trivial. Incomparável com outras entrevistas que já fiz para empresas brasileiras e também do exterior. Não é um tipo de entrevista que se faz sem estar bem preparado.

Infelizmente, muitas empresas de TI no Brasil ainda trancam os candidatos numa sala e aplicam testes genéricos de lógica e inglês. Não que eu tenha problemas com testes escritos, muito pelo contrário. Ocorre que na prática isso não é feito realmente para avaliar o candidato de uma forma objetiva e acaba sendo apenas perda de tempo para cumprir burocracia. Já as entrevistas técnicas, que deveriam ser o foco principal, podem durar até uma hora em poucos casos, quando muito, mas no geral não é incomum ocorrerem em 30 minutos, outras vezes 20 ou até menos. Depois a empresa contrata um funcionário sem saber absolutamente nada sobre suas reais capacidades, habilidades e preferências. Pior, ele entra num projeto no qual não tem afinidade e sua contribuição acaba sendo bem menor do que poderia.

Contratação

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Após as entrevistas a empresa faz uma oferta. Ok, isso é de praxe, mas no meu caso incluiu também um pacote para cobrir a mudança e o processo do visto. Não ter que me preocupar com o visto foi uma grande ajuda e veio talvez providencialmente para contrabalancear as dificuldades de mudar uma família com três crianças pequenas, o que incluiu vender meus pertences no Brasil e adquirir praticamente tudo de novo na Austrália.

Neste ponto, só tenho que agradecer à Atlassian. Além de arcar com as despesas do visto, tive várias conversas com diferentes pessoas da seção de pessoal que acompanharam todo o processo até me estabelecer no novo país. Não que eles tenham feito tudo, mas estavam sempre dispostos a ajudar.

A Atlassian frequentemente promove encontros para os expatriados, isto é, as pessoas que vieram de outros países para trabalhar aqui. Desde que estou aqui houve um almoço num barco de cruzeiro e depois outro almoço num clube onde todos jogaram lawn bowls.

Durante todo o processo, desde a entrevista até minha recepção no primeiro dia de trabalho, foi incrível a paciência tiveram comigo, principalmente pelo meu Inglês fajuto, afinal o pouco que sei ainda acaba sendo diferente do Inglês australiano.

Cultura da Atlassian

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A cultura das pessoas que trabalham aqui é bastante peculiar. Na verdade, a melhor forma de apresentar a Atlassian é descrevendo os valores que compõem sua cultura. Talvez você não acredite, pois eu mesmo achava isso uma bobagem, mas tais valores realmente são usados e vividos dentro da empresa.

Caso você não lhe seja familiar, todas as grandes empresas possuem valores que moldam não só como as pessoas se comportam no trabalho, como definem até mesmo quem vai ou não ser contratado, ditam como os problemas internos são resolvidos e guiam as direções estratégicas da empresa.

Se você sonha um dia trabalhar para uma grande empresa de tecnologia como Google, Amazon, Atlassian, Facebook, LinkedIn, eBay ou similar, é melhor começar a prestar atenção nisso.

Em algumas empresas os valores ou princípios que a regem são ditados pelo líder. Esse seria o caso, por exemplo, da Apple com Steve Jobs ou da Amazon com Jeff Bezos. Diferentemente, na Atlassian esses valores foram desenvolvidos de baixo para cima, vindo das pessoas que trabalham aqui e agora mantidos pelos fundadores. Eles não são simplesmente uma filosofia de fachada, imposta de cima para baixo e fantasiada pela gerência, mas um extrato do que fez a empresa ser o que ela é hoje e define o que ela vai ser no futuro.

A seguir vou descrever resumidamente os valores básicos (core) que moldaram e têm moldado a Atlassian.

Open Company, No Bullshit (empresa aberta, sem papo furado)

iCompanyValueNoBull A empresa é aberta. Toda informação é pública por padrão. Não tem frescura de esconder informação desnecessariamente. Temos acesso aos repositórios, ao que as outras equipes estão fazendo, ao resultado financeiro da empresa e assim por diante.

Claro que o que as pessoas dizem precisa ser pensado e é preciso ter certo cuidado, principalmente com dados sensíveis de clientes. Mas realmente vejo que a burocracia aqui é bastante minimizada e as pessoas não tem medo de publicar a sua opinião numa página ou post onde todos da empresa tem acesso. Só não pode ter medo de receber ou fazer críticas (construtivas), afinal isso é que enriquece o trabalho de todos. 🙂

Frequentemente os fundadores da empresa se reúnem com todos os funcionários e todas as novidades da empresa são apresentadas, incluindo uma sessão onde você pode perguntar o que quiser, anonimamente. Acredite, as pessoas perguntam. 😀

Build with Heart and Balance (feito com o coração e com equilíbrio)

iCompanyValueTeam Sabe quando o projeto está atrasado e a equipe tem que correr atrás do prejuízo? Sabe quando a empresa coloca metas muito altas e todos tem que trabalhar até a exaustão? Isso faz com que o resultado seja negativo, a qualidade cai muito.

Aqui desenvolvemos os produtos com paixão e sabedoria. Tentamos entregar as funcionalidades rápido e no tempo, mas de modo equilibrado e cuidadoso. Tentamos fazer o melhor para o cliente, sem precipitar-se. Queremos agir rapidamente, mas medindo bem as consequências de cada ato.

Don’t #@!% the Customer (não ferre o cliente)

iCompanyValueCustomer Clientes dão vida à empresa. Se eles não estiverem contentes, a empresa já era. Em cada decisão que possa afetar negativamente os clientes, os gerentes e desenvolvedores da Atlassian pensam em como minimizar ao máximo o impacto, caso não seja possível evitá-lo completamente.

Por exemplo, se tivermos que quebrar uma API e isso for causar prejuízo aos clientes, a empresa vai assumir o custo de manter duas versões da API até que todos os clientes consigam migrar para a versão mais nova. Enfim, evitamos ao máximo as “surpresas” na experiência dos clientes.

Play, as a Team (jogar, como um time)

iCompanyValueBalance Trabalho em equipe é muito valorizado, mas não apenas no sentido mais formal. A vírgula após o "play" serve para lembrar que não apenas fazemos as coisas em equipe, mas devemos também nos divertir. Não é preciso ser sério o tempo todo para fazer um trabalho sério.

É muito legal ver como todos brincam nas salas de chat da empresa, o tom divertido das postagens internas, e isso vai desde os fundadores da empresa até a secretária. Além disso as pessoas estão sempre se engajando em atividades, seja ping pong, jogos de tabuleiro, gincanas entre equipes ou com a empresa toda.

Não é toda empresa que tem uma equipe especializada em planejar atividades de integração. 😀

Be the Change You Seek (seja a mudança que você procura)

iCompanyValueNoBull A cultura de melhoria contínua é compartilhada por todos.

Este talvez seja um dos valores da Atlassian que mais me chamou a atenção. Não deve ser por acaso, já que tenho escrito frequentemente no blog num mesmo sentido. Na maioria das vezes que reclamamos no trabalho, nós colocamos a culpa dos problemas na empresa, como se isto fosse um ente inteligente, ou então na direção, gerência ou equipe, como se não fossem apenas pessoas como você e eu.

Minha filosofia pessoal, e que reflete exatamente este valor da Atlassian, é que cada um tem que ser primeiro aquilo que quer que os outros sejam. Não adianta dizer que a empresa não investe em treinamentos se a pessoa não estuda uma página de um livro por conta própria. Não adianta dizer que a empresa precisa ser menos burocrática se na primeira oportunidade a pessoa deixa de fazer o que é necessário para o andamento do projeto. Não adianta reclamar do micro-gerenciamento se a pessoa não trabalha quando o chefe não está olhando.

Aqui na Atlassian, se você vê um erro ou possível melhoria, você mesmo é encorajado a fazer alguma coisa. Não significa que vão ficar mandando você fazer o que não é seu trabalho, mas que você tem liberdade para ajudar a empresa como um todo. Você é desenvolvedor, acha que a integração contínua está ruim e tem uma ideia para melhorar? Fale com o responsável para verificar se já não tem alguém mexendo na mesma coisa e seja feliz para testar sua proposta. Esbarrou numa falha enquanto usava um produto de outra equipe e você sabe resolver? Mãos na massa. Achou algum erro crítico numa página interna? Não precisa fazer uma solicitação para a área responsável e esperar um mês, vá lá e edite você mesmo.

Entendendo o seu papel

Algo que me chamou a atenção durante as primeiras semanas trabalhando na Atlassian foi a importância de que cada funcionário entenda os objetivos da empresa como um todo e como o trabalho de cada um contribui para isso.

Tenho em mente o filme Tempos Modernos onde Chaplin trabalha numa linha de montagem e aperta parafusos de um produto sem ter ideia do que realmente está ajudando a produzir. Pois não é incomum nos encontrarmos na mesma situação, ou seja, programando, usando ferramentas, entrevistando, gerenciando, comprando, vendendo, prometendo, liderando, criticando, testando, reunindo, tudo isso sem realmente considerar se aquilo está cooperando para um "bem maior".

Muita gente talvez pense que “a empresa ganha muito dinheiro mesmo, então não tem nada demais desperdiçar com trabalho desnecessário”. Bem, eu poderia escrever uma dissertação com todos os motivos pelos quais este pensamento é prejudicial, mas vou resumir tudo citando a mentalidade que temos aqui na Atlassian: quanto mais economizarmos, mais sobra para todos. Isso mesmo, não é infrequente as pessoas aqui comentarem que podemos contratar mais gente, dar mais benefícios e oferecer mais promoções porque conseguimos economizar o dinheiro da empresa de uma forma ou de outra, por exemplo, citando um caso real, desenvolvimento sistemas mais otimizados que diminuam absurdamente os gastos com infra e serviços de terceiros.

O JIRA precisa de muito pouco marketing para ser vendido. Majoritariamente, as novas aquisições vêm da boa reputação do produto e das indicações. Se você entende alguma coisa sobre orçamento de empresas que trabalham com produtos, sabe que modelos de negócio baseados em marketing geralmente precisam de muito investimento neste segmento. Mas o modelo baseado em reputação que a Atlassian segue faz com que a economia em marketing também reflita em mais benefícios para quem trabalha. Portanto, cada contribuição que um desenvolvedor faz para que um produto como o JIRA seja efetivamente melhor para os usuários gera uma situação ganha-ganha, isto é, o empregado ganha e a empresa ganha.

Equipamentos

Já escrevi em Boas empresas, boas condições de trabalho sobre como equipamentos adequados aumentam a produtividade e pagam o investimento facilmente. Na Atlassian eles praticam isso.

No meu primeiro dia de trabalho recebi um laptop da Apple, acessórios comuns e um bom monitor da Dell. Embora haja ferramentas para facilitar a configuração do ambiente, cada desenvolvedor tem total liberdade para usar as ferramentas que desejar (e há licenças disponíveis para todas as principais). Temos permissão de root nas máquinas. Nada de bloquear o desenvolvedor de instalar o que precisa.

Algum tempo depois recebi uma mesa regulável para poder trabalhar em pé de vez em quando, evitando assim problemas de saúde ligados à postura. Há material de escritório e outros suplementos com acesso livre, sem precisar solicitar.

Assim como outros benefícios, o objetivo de tudo isso é extrair o melhor do potencial de cada profissional, sem adicionar burocracias desnecessárias. E tudo isso funciona bem por um sistema baseado em confiança, isto é, onde as pessoas (em geral) não abusam dos privilégios que possuem.

Os problemas

Até agora tenho apresentado bastante os lados positivos. Você pode estar pensando que a Atlassian é o melhor lugar para trabalhar do planeta ou talvez esteja desconfiado da minha parcialidade, pois seria muito bom para ser verdade.

Primeiro, não posso afirmar que a Atlassian é “o” melhor lugar para trabalhar no mundo. Muitas pessoas não gostaram ou não gostariam de trabalhar aqui por diversos motivos. Algumas não gostam da cultura aberta da empresa, pois são muito reservadas e não gostam de receber críticas em público, mesmo quando construtivas e com tom respeitável.

Vejo ocorrer bem pouco, mas é inevitável que de vez em quando haja atrito ou desapontamento entre pessoas. Alguns, principalmente os workaholics, acabam não equilibrando a vida pessoal e profissional e acabam estressados, embora os casos que eu presenciei não foram causados pela empresa, mas reconhecidamente por falha da própria pessoa em se impor limites.

Outros podem não gostar das tecnologias usadas aqui ou simplesmente não querem mudar de cidade ou país. Enfim, dependendo do perfil e do que cada um busca para si, a Atlassian pode não passar perto de ser o melhor lugar.

Outro grande problema pelo qual a empresa está passando recentemente é o crescimento acelerado. Como isso pode ser um problema? Pense em como gerenciar um produto quando novas equipes e novas frentes de trabalho surgem sem parar. Como escalar a comunicação onde a quantidade de pessoas envolvidas num único produto passou de 100 para 200 pessoas? E depois aumentou para 300? Sou novo aqui, mas percebo que os colegas mais antigos se conhecem bem, mas por vezes reclamam que não conseguem acompanhar mais tudo o que ocorre na empresa ou mesmo no projeto no qual estão. Como todos sabem, aumentando o número de pessoas a complexidade de comunicação cresce exponencialmente, então fica mais complicado, por exemplo, descobrir quem é a pessoa certa para resolver cada tipo de problema. Imagine isso numa empresa com quase duas mil pessoas onde quase todos os produtos se integram de alguma forma.

Algo que ouvi falar do Google também se mostrou verdadeiro aqui. Muitos bons profissionais vem de empresas menores ou menos avançadas tecnicamente. Lá eles eram líderes ou arquitetos, mas quando entram aqui estão no mesmo nível ou abaixo dos seus pares, pois há muita gente inteligente e experiente por aqui e os produtos são complexos. Não existe aquele mito como do filme Hackers, onde o garoto olha um código por um minuto e entende tudo o que o programa faz. Posso dizer que para mim tem sido um bom exercício de humildade depender dos colegas para cumprir as tarefas mais básicas. Alguns colegas dizem que leva pelo menos seis meses para se acostumar com o trabalho aqui, a maior curva de aprendizado de que já ouvi falar. Um dos fundados da empresa certa vez mencionou que os novos contratados levam pelo menos um ano para efetivamente dar lucro para a empresa. Minha reação ao ouvir isso? Confira abaixo:

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Enfim, muitas pessoas com quem conversei relatam que os primeiros meses acompanham frustrações causadas pela sensação de improdutividade e de que não vão dar conta de aprender tudo o que precisa a tempo. Ainda estou nessa fase, mas ao mesmo tempo tenho contado com o apoio e o feedback das pessoas, então fica mais fácil gerenciar as emoções.

Particularmente, acho o maior ponto negativo a localização da empresa. Na verdade, o local em si é ótimo: no centro comercial, tudo perto, estação e terminais de ônibus bem na frente. Porém Sydney já é um lugar caro para se viver e, quanto mais perto do centro, maior o custo. Então para achar uma casa boa a um preço razoável você precisa morar a uma certa distância do trabalho. Claro que estou em desvantagem nesse aspecto por ter uma família grande. Casais sem filhos onde os dois trabalham teriam uma enorme vantagem. Mas ainda assim minha vontade seria poder morar num lugar calmo e não tão valorizado.

Considerações

No meu primeiro dia de trabalho, recebi um treinamento onde os valores básicos, os objetivos e a missão da Atlassian foram expostos. Foi pedido para cada novo contratado escolher qual dos valores mais chamaram sua atenção. Eu escolhi seja a mudança que você procura, pois é algo que sempre tento aplicar em minha vida profissional e incentivar as outras pessoas, seja pessoalmente no trabalho ou através dos vários artigos desde blog onde sugiro não esperar os outros e sim buscar o próprio aperfeiçoamento.

Não quero de forma alguma que este artigo deixe você pensando em como eu tenho sorte por trabalhar na Atlassian e os demais não. Muito menos quero que o artigo deixe transparecer que de alguma forma eu sou melhor que outras pessoas por qualquer motivo. Muitas pessoas tem outras prioridades, outras somente precisam de um pouco mais de dedicação e foto. Tive muitos alunos que, embora ainda nos seus primeiros passos como desenvolvedores, certamente tem o potencial para ir mais longe do que eu fui.

Se você for lembrar de alguma coisa de tudo que escrevi, lembre-se disto: você pode ser a mudança que você busca.

Nem sempre é fácil. Talvez você esteja desanimado e desiludido por chefes, colegas ou até professores incompreensivos e ignorantes. Eu posso sentir a sua dor. Talvez você precise de alguma mudança para fugir de tal situação. Mas não deixe de persistir, caso contrário você será o maior prejudicado. Cada pessoa pode fazer o lugar em que trabalha um pouco melhor, de uma forma ou de outra. Eu mesmo já “sofri” desnecessariamente achando que meus gerentes não iriam aceitar minhas críticas, somente para descobrir que eles estavam pensando exatamente no mesmo problema e puderam tomar uma decisão melhor quando eu comecei o diálogo.

Além disso, não é necessário trabalhar em empresas legais e famosas para ter uma boa experiência profissional. Embora essas empresas invistam numa boa cultura, não é a quantidade de dinheiro que faz a diferença. No fim das contas, a cultura de uma empresa é composta por pessoas como eu e você. Mas para tudo funcionar é preciso que haja uma mentalidade positiva compartilhada por todos. Então, seja o melhor que você pode ser onde está agora e puxe seus colegas com você. Faça do lugar que você trabalha um lugar melhor antes de pensar em conseguir um emprego melhor.

Acompanhe o blog e não perca o próximo artigo sobre o trabalho que tenho feito na equipe do JIRA.